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25 de abril de 2011

A tragédia em Realengo desperta o mito do desarmamento humanitário

O texto abaixo foi escrito quando da primeira semana após a tragédia numa escola de Realengo, no Rio de Janeiro. Ainda não havia publicado por aqui. Trata de um tema muito em voga após o massacre: o desarmamento. 
Segue. 


Há uma semana o Brasil assistia, estarrecido, às cenas de uma tragédia. Há uma semana o País vela as 12 crianças mortas após a invasão de um homem a uma escola em Realengo, no Rio de Janeiro. Em meio à comoção nacional, um tema emergiu com descomunal força: a defesa do desarmamento.

A tese ganhou força rapidamente entre políticos. O Ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, já defendia o desarmamento da população horas após o massacre. O presidente do Senado, José Sarney, fazia o mesmo. Uma torrente de outros políticos - e os ditos “formadores de opinião” – mobilizaram-se em programas de rádio, TV, nas páginas dos jornais e, sobretudo, na Internet.

Acreditam que o desarmamento poderia evitar tragédias como a ocorrida no Rio. O argumento é tão simples quanto falacioso. Trata-se de tentativa de usar o caso para fazer lobby em torno de uma questão que não guarda relações diretas o massacre. Em primeiro lugar vamos ao óbvio e suas consequências. Grande parte da violência no Brasil decorre de armas ilegais nas mãos de bandidos. E aquela usada por Wellington Menezes – é o nome do atirador – era ilegal. Não adianta criar mecanismos que dificultem o porte de armas legais quando são as ilegais que fomentam o crime. Nem adianta argumentar que reduzir o número de armas legais em circulação ajudaria a reduzir o número daquelas que transpassam a fronteira entre o legal e o ilegal.

Há armas compradas legalmente que vão parar na ilegalidade? Há – e, até onde se sabe, parece ser esse o caso da arma de Wellington. Ocorre que a situação é exceção – assim como o próprio caso do atirador também o é. O erro está em não agir em outras duas frentes: segurança nas fronteiras e combate aos policiais corruptos – que, não raro, abastecem os criminosos de armamentos pesados.

Há, ainda, outra consequência óbvia não observada por quem defende o desarmamento. Quem atenderia ao chamado do Estado para entregar sua arma? O cidadão de bem – porque quem disser que não é de bem só porque acha que pode ter uma arma está sendo preconceituoso – ou o bandido?

Um traficante armado, convenhamos, vive à margem da lei e não será por ela que vai entregar suas armas.

O desarmamento, ao invés de concorrer para o bem, acaba, ao fim e ao cabo, promovendo o mal. O desarmamento de civis fortalece o crime, não porque acredito que alguém possa se defender adequadamente tendo uma arma, mas porque aumenta a confiança do bandido – que passa a ter a certeza de que a vítima não está armada. Em toda a bibliografia sobre guerras (e o número de homicídios no Brasil configura uma), o benefício da dúvida é essencial para vencer o inimigo.

É melhor que o bandido armado possa ter dúvidas se você também tem uma arma do que ter a certeza que não tem.

Esculhambando o Estado de Direito

O que mais me incomoda na questão é que se tente mobilizar o Estado para influenciar numa decisão do indivíduo.

Antes, porém, uma consideração: ser contra o desarmamento não significa ser pelo armamento.

É, antes, uma questão de liberdade, de entender que democracia compreende aceitar que eu posso achar algo inútil, asqueroso e perigoso e que meu vizinho possa achar o contrário de mim.

É entender que eu posso lhe apresentar estatísticas e evidências de que uma arma em casa traz mais riscos que benefícios e, ainda assim, compreender caso ele ache que estou errado. Quem defende a intervenção do Estado na decisão ou não entende democracia ou, entendendo-a, opta pela ignorância motivada pela boa causa. É um caminho perigoso.

A dor das mães que perderam seus filhos é grande, mas isto não pode ser usado como justificativa para mandar às favas o Estado de Direito. Usar o sangue das crianças para colorir a causa do desarmamento é indigno. Se permitirmos que a liberdade seja usurpada em nome de uma boa causa agora teremos de admitir que ela seja alterada em outros momentos. Ou teremos que mudar o ordenamento jurídico do País toda vez que algo gerar comoção. Ficaremos reféns da emoção – quando, na verdade, o Estado de Direito repousa, felizmente, sobre a razão.

Se o caso Wellington obtiver êxito em promover o desarmamento, quem garante que outras mentes doentias não tenham a mesma ideia? “Humm! Nossa causa seria mais rapidamente atendida caso houvesse um evento que chocasse o País”. Seria, certamente, o caos.

O que aconteceu no Rio de Janeiro é resultado de uma mente doentia. Era, de todo modo, impossível de prever o acontecido. Não deriva o bem do mal. A loucura cometida por Wellington não pode abrir espaço para outras loucuras (ainda que evoquem uma boa causa).

A tragédia de Realengo não pode servir para despertar o mito do desarmamento humanitário.