Caros, darei uma pausa nas atualizações do blog neste período de festas. É verdade que queria começar a atualizá-lo com mais frequência, mas ocorre que minhas férias serão um tanto quanto desconectadas. Problemas técnicos. Força maior.
Para compensar, em 2011 a dinâmica do blog deve ser diferente. Na verdade, ele deve ganhar mais dinâmica, com a entrada da Claudia Guadagnin (@clauguadagnin, para os adeptos do Twitter). É uma profissional e tanto. A quem admiro muito e, por isso mesmo, deverá também interagir neste espaço em breve.
Até lá, brindemos com este champagne virtual a chegada de 2011. Feliz ano novo!
23 de dezembro de 2010
19 de dezembro de 2010
A Folha decidiu perguntar à raposa o que ela pensa das galinhas e Lula aproveita para fazer o que sabe: satanizar a oposição
Depois do bom exemplo da encontrado na Gazeta, um mau vindo da Folha. O jornal decidiu perguntar à raposa o que ela acha das galinhas. O texto é de Kennedy Alencar. Comentários em vermelho.
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva atribui à "combinação do desenvolvimento com as políticas sociais" a popularidade recorde com que chega ao final de oito anos de governo.
*Vale lembrar que, num discurso no Ceará, em 2003 Lula chamou as tais políticas sociais de esmola. Disse que o programa de auxílio social, iniciado no governo FHC deixava "as pessoas sem vontade de plantar macaxeira". É público. O vídeo está no Youtube. Com Lula é assim: se a política é dele, é boa. Se não é, é ruim. Entenderam? O repórter da Folha endossa o coro. É esta imprensa que os petistas acusam de antilula.
Pesquisa Datafolha publicada hoje revela que o petista registra a melhor marca na série histórica do instituto. Para 83% dos entrevistados, fez uma gestão ótima ou boa.
Na opinião de 13%, foi um governo regular. Apenas 4% o consideram ruim ou péssimo.
*Hitler chegou próximo dos 100%. Ahmaninejad, o amigo de Lula que enforca oposicionistas em praça pública, tem 97%. Como se vê, aprovação não significa um bom governo.
De acordo com a pesquisa, 19% julgam que o governo Lula teve melhor desempenho no combate à fome e à miséria. "A questão social é a minha cara. É a cara da minha vida política, é a cara da minha origem política, é a cara de tudo do que eu participei", disse à Folha.
*Pelo menos aí temos um Lula sincero. Não atribui aos outros a cara dos outros e faz o mesmo com a própria.
Na visão de 13%, a economia foi a segunda área de melhor desempenho do petista. A geração de empregos veio em seguida, citada por 10%.
Para Lula, a explicação para essa boa avaliação é "pouco ressaltada no Brasil", que é a "geração de empregos".
Diz que o país vive uma fase com índice de desemprego baixo, de "quase pleno emprego". Fala que, nos seus dois mandatos, o país gerou 15 milhões de empregos.
*Resta saber se Lula inclui na conta os companheiros aboletados no serviço público hehehehe
O Datafolha mostrou que a saúde é a área de pior desempenho do atual governo.
Para Lula, o motivo disso foi a derrubada, pela oposição, da CPMF, o antigo imposto do cheque, tributo que era destinado à saúde.
*Aqui Kennedy aplica a mentira que Lula gostaria que ele aplicasse. Contra a CPMF votaram também aliados do Governo. Este negócio de Lula aparecer dizendo que é culpa da oposição faz parte do processo de satanização delas, que ele leva a primazia logo adiante.
"Numa fatídica noite, os tucanos e o DEM, de ódio e de raiva, me tiraram, em quatro anos, R$ 150 bilhões da saúde", afirma o presidente Lula, ao comentar votação no Senado que derrubou a CPMF, em 2007.
*Aí temos Lula em sua melhor performance. Sempre que se abre aspas para o Presidente num texto jornalístico é que vemos o melhor do pensamento de Lula. Para ele, oposição é motivada por ódio e raiva. Logo, situação é motivada por amor (aquele amor característico de Erenice Guerra e José Dirceu). O presidente ignora que, nas democracias, oposição é tão importante quanto situação. É a existência dela que legitima o processo democrático. Ninguém precisa de democracia para discordar. Concorda-se muito bem na China, em Cuba ou no Irã.
Ademais, o Governo teve a bufunfa do imposto por mais de 5 anos e o caos da saúde não é de hoje.
Segundo o presidente, essa verba seria arrecadada pela contribuição em quatro anos e destinada ao "PAC [Plano de Aceleração do Crescimento] da Saúde", projeto que não saiu do papel.
*Ainda bem que o tal PAC da Saúde não deu em nada, não é? Quais seriam os parâmetros? O PAC, aquele que entregou bem menos do que prometeu mesmo incluindo até o puxadinho da dona Maria como obra do Governo Federal?
Em relação à opinião de 6% dos que consideraram a corrupção a área em que seu governo foi pior, Lula afirma: "Grande parte das denúncias contra o governo é feita pelo próprio governo".
Citou a CGU (Controladoria-Geral da União) como exemplo de órgão que faz investigações que atingem o próprio Executivo federal.
"Se você somar todos os presidentes da República, ninguém investigou o tanto que nós investigamos. Nós prendemos policiais federais, prendemos mais de 1.500 servidores públicos. Tenho dito publicamente. Só existe um jeito de você não ser molestado. É você andar na linha."
*Este é só Lula tentando ser engraçado.
Ainda há Juízes em Berlim e ainda há jornalistas na imprensa
A versão on-line da Gazeta do Povo publicou hoje um texto bastante esclarecedor sobre o governo Lula - diria que só peca por não citar outros mitos, mas aí é uma escolha do repórter hehehe. Leiam o que informam Caroline Olinda e Rosana Félix. O título é meu.
1 - O governo Lula recuperou a capacidade de investimento do Estado
Durante a gestão Lula (2003-2010), os investimentos do governo federal em obras, tocadas com recursos do orçamento da União, permaneceram em níveis semelhantes e até mesmo mais baixos do que na administração de Fernando Henrique Cardoso (1995-2002). No melhor ano de FHC, foram gastos 2,42% do orçamento em obras. Já o desempenho mais elevado de Lula foi de apenas 1,67% (veja infográfico ao lado).
O aumento do montante investido pela atual administração, em comparação com a gestão FHC, só é visível quando se incluem nas contas os investimentos feitos pelas estatais – empresas que muitas vezes têm sócios privados, que esperam delas o aumento dos investimentos para ampliar os lucros e a distribuição de dividendos. Em 2001, penúltimo ano do governo tucano, as estatais e a União investiram em obras o equivalente a 1,78% do Produto Interno Bruto (PIB). Já no ano passado, o investimento de 3,30% do PIB.Durante a gestão Lula (2003-2010), os investimentos do governo federal em obras, tocadas com recursos do orçamento da União, permaneceram em níveis semelhantes e até mesmo mais baixos do que na administração de Fernando Henrique Cardoso (1995-2002). No melhor ano de FHC, foram gastos 2,42% do orçamento em obras. Já o desempenho mais elevado de Lula foi de apenas 1,67% (veja infográfico ao lado).
Portanto, se não fossem as estatais, o governo por si só não teria ampliado a capacidade de investimentos, apesar do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). “O Lula colocou no PAC um pacotão que inclui estatais e até empresas privadas. Naquilo que é do Tesouro mesmo, o Lula não bate FHC”, diz o economista Judas Tadeu Grassi, diretor-presidente da Estação Business School.
Grassi ainda destaca que uma das principais falhas do PAC é que o programa não ampliou os investimentos em infraestrutura – principalmente estradas, ferrovias e portos. Essas obras são obrigação governamental e não de estatais, que só investem na área em que atuam.
De acordo com o economista Felipe Salto, da Consultoria Tendências, o mérito do PAC foi colocar na agenda do governo o objetivo de ter taxas de crescimento elevado a longo prazo, mas mantendo a estabilidade econômica. Ele observa, porém, que o governo não conseguiu cumprir o objetivo e criar condições para um crescimento sustentável de longo prazo. Para Salto, sem o aumento dos investimentos, esse crescimento deve sofrer limitações. E a ampliação do montante investido não deve ocorrer devido ao tamanho da máquina pública. Embora durante a gestão Lula os gastos com funcionalismo em relação ao orçamento não tenham crescido (veja o mito 5, na próxima página), também não houve retração dessas despesas.
“É preciso incorporar práticas de gestão para reduzir ao máximo o desperdício e usar da melhor forma o dinheiro. Isso se faz reduzindo a proporção dos gastos correntes sobre o PIB e aumentando os investimentos”, recomenda Salto.
2 - O Bolsa Família é uma bolsa-esmola
Carro-chefe do governo Lula na área social, o Bolsa Família é criticado por não oferecer uma porta de saída aos seus beneficiários – tanto que chegou a ser apelidado de “bolsa-esmola” e é rotineiramente tratado como um programa meramente assistencialista e eleitoreiro.
Mas o programa tem méritos inegáveis. O Bolsa Família é apontado por especialistas como um dos fatores responsáveis pela redução da pobreza e da desigualdade no Brasil nos últimos oito anos (veja quadro).
De acordo com a economista Priscila Tavares, do Centro de Ciências Sociais Aplicadas da Universidade Mackenzie, o programa consegue atacar a pobreza no curto e no longo prazo. No primeiro caso, com a transferência direta de renda. No segundo, quando vincula o pagamento do benefício a uma série de condicionantes – sendo a principal delas a exigência de os filhos dos beneficiários frequentarem a escola. Crianças entre 6 e 15 anos devem ter presença mensal mínima de 85% nas aulas e os adolescente entre 16 e 17 anos devem estar presentes a 75%.
“Se está dando certo [a meta de longo prazo], ainda não é possível avaliar. Mas o que é certo é que o programa amplia a frequência das crianças nas escolas, principalmente quando se passou a incluir os jovens entre 16 e 17 anos”, diz Priscila.
Outra vantagem do Bolsa Família é o custo relativamente baixo do programa quando se leva em conta a sua capacidade de solucionar de imediato o problema da fome de milhares de brasileiros. No primeiro semestre deste ano, foram pagos R$ 6,9 bilhões em benefícios a 12 milhões de famílias – uma média mensal de R$ 95 por casa.
Priscila observa, porém, que o Bolsa Família ainda precisa avançar, principalmente no acompanhamento das famílias atendidas. “Hoje se discute uma política de acompanhamento, em que um agente comunitário vá até os beneficiários para oferecer uma cesta de serviços mais adequada para a realidade daquela família.”
3 - O governo Lula investiu muito mais que FHC na área social
Durante a gestão Lula, houve um salto nos gastos com assistência social – passando de 0,85% do orçamento nos últimos três anos de governo FHC, para 2,48% das despesas do mesmo período da administração petista. No entanto, em educação e saúde, áreas sociais essenciais, o porcentual gasto por Lula continuou semelhante ao do governo anterior. Nos últimos três anos da gestão FHC, 3,64% das despesas foram destinadas para a saúde e 1,86% para educação. No governo Lula, os gastos com saúde e educação nos últimos três anos (até julho de 2010) corresponderam, respectivamente, a 3,58% e 2,03%. Ou seja, o patamar de investimento foi parecido nos dois governos.
A economista Priscila Tavares, do Centro de Ciências Sociais Aplicadas da Universidade Mackenzie, lembra que isso não significa que a política social de FHC tenha sido melhor que a de Lula. “O programa Bolsa Família, bem executado, aumenta a educação das crianças, que com a ajuda financeira frequentam mais a escola. Mas é preciso melhorar em outras frentes. Por exemplo: reduzindo os gastos com ensino superior e aplicando mais em ensino fundamental”, pondera o economista José Márcio Camargo, da PUC Rio e da Opus Gestão de Recursos.
4 - O Brasil pagou suas dívidas e agora é credor
O governo brasileiro ainda deve muito dinheiro para terceiros, embora a dívida federal, durante a gestão Lula, tenha sido reduzida em relação ao PIB. De acordo com dados do Banco Central, até outubro deste ano, a dívida bruta do Brasil correspondia a 67,8% do PIB. Em dezembro de 2002, último ano da gestão FHC, essa dívida era de 76,7% do PIB.
O que aconteceu durante os últimos oito anos foi uma redução da dívida externa e um crescimento da interna. No ano passado, a dívida interna do país chegou a 65,1% do PIB. Em 2001, penúltimo ano do governo tucano, esse índice era de 54,1%. Por outro lado, a dívida externa caiu. De 13,9% em 2001 para 3,5% em dezembro do ano passado. Ainda assim, o Brasil deve dinheiro para organismos internacionais, apesar do discurso oficial de que a dívida externa foi totalmente paga.
Em termos absolutos, o governo Lula também pagou mais juros que a gestão Fernando Henrique Cardoso, afirma o economista Judas Tadeu Grassi, diretor-presidente da Estação Business School. De acordo com ele, em oito anos, Fernando Henrique pagou R$ 600 bilhões em juros, enquanto o governo Lula fecha o período com R$ 1,3 trilhão destinados ao pagamento de juros. No ano passado, cerca de 9,3% do orçamento da União foi destinado ao pagamento de juros e encargos da dívida. No penúltimo ano do governo FHC, esse porcentual foi de 8,75%.
Grassi observa que o governo continua a gastar mais do que arrecada e isso dificulta uma redução da dívida. “É preciso fazer um ajuste dos gastos da máquina pública. Caso contrário, será preciso reajustar impostos”, afirma.
5 - Lula inchou de forma descontrolada a máquina pública
Desde a gestão FHC, os gastos da União com pagamento de pessoal têm se mantido constantes, em relação à arrecadação. De acordo com dados do Tesouro Nacional, entre janeiro e julho deste ano, 10,7% de tudo que o governo federal gastou foi usado com funcionalismo.
No ano passado, foram gastos 11,5%. É a maior taxa desde 1997, terceiro ano da administração tucana. Mas, entre 2003 e 2007, nunca havia passado de 10% do orçamento.
Em relação ao Produto Interno Bruto (PIB), o gasto com pessoal equivalia a 4,27% em 1997; e passou para 4,83% no ano passado. O valor mais baixo registrado nesse período foi em 2005 (4,3%), já durante a administração de Lula. Ou seja, a gestão petista não promoveu um inchaço descontrolado da máquina.
Corte e recuperação
Embora mantenham patamares semelhantes de gastos, as gestões Lula e FHC tiveram posturas diferentes em relação ao funcionalismo. Enquanto na gestão tucana houve uma redução no número de funcionários do Executivo, nos oitos anos de mandato petista se fez o movimento contrário: com uma recuperação do quadro de servidores.
Na administração FHC, o número de funcionários da ativa passou de 951,5 mil em 1995 para 809,9 mil em 2002, entre civis e militares. Com Lula, houve expansão. Atualmente, são 913,8 mil servidores federais. A recuperação se deu principalmente entre os militares (veja mais no infográfico). Segundo o ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, o quadro de funcionários deve se estabilizar em 2011, após essa fase de crescimento.
De acordo com o Planalto, as contratações foram feitas para aprimorar a quantidade e a qualidade do serviço público. Além disso, também foram realizados novos concursos para substituir funcionários terceirizados em situação irregular, seguindo determinação do Tribunal de Contas da União (TCU) e do Ministério Público do Trabalho.
Na avaliação do economista Gil Castelo Branco, diretor da ONG Contas Abertas, há um viés de alta nos gastos do governo com pessoal. Além disso, as despesas com funcionalismo costumam ser de longo prazo, o que é preocupante quando se pensa num cenário de crescimento econômico não sustentável. “O problema é que, quando o PIB cai, ainda se mantêm os gastos com pessoal. Por isso, não descarto alguns ajustes para o ano que vem, como concursos públicos e reajustes protelados”, afirma Castelo Branco.
Para o pesquisador Lucídio Bicalho, do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), o Brasil precisa evoluir a discussão sobre o “custo” do funcionalismo público. “Não temos um gasto monstruoso com pessoal. Mas é preciso pensar qual é o retorno do gasto com funcionalismo para a sociedade.”
18 de dezembro de 2010
Por que o povo não pode ser soberano?
Nos vários meses de campanha eleitoral que antecederam o último pleito para a Presidência da República, fui surpreendido, entre Erenices, Paulos e aborto, por um argumento muito caro e particular à democracia: a vontade do povo e o poder que ela engendra. O princípio, ao cabo, está mesmo no artigo 1º da Constituição Federal do Brasil. Lê-se lá: “Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição”. É um fato. E também um sofisma.
Ao contrário do que disseram os políticos e até mesmo do que diz a Constituição do Brasil, não é do povo que o poder emana, nem poderia ser assim. Em primeiro lugar porque ninguém consegue definir muito bem esse ente heterogêneo designado “povo”. Quem aposta nesse argumento defende que, nos sistemas democráticos, a vontade da maioria impera sobre os desejos das minorias. É verdade. E também uma mentira.
A democracia compreende valores que vão além da soma de vontades da maioria. Em meados de setembro, o UOL saiu às ruas para verificar se as pessoas sabiam o que significava “quebra de sigilo”. Corriam os dias em que o tema pautava boa parte das discussões políticas porque envolvia uma denúncia de quebra de sigilo fiscal de alguns políticos do PSDB na Receita Federal. Foram ouvidas 32 pessoas. Desse total, nada menos que 23 não sabiam responder o que aquilo significava. Para representar a sociedade brasileira em sua totalidade, a amostra do UOL careceria de correções, embora ninguém duvide que o resultado não seria diferente.
Agora imaginemos que o UOL tivesse saído às ruas e perguntado a população - portanto, ao povo - se não seria razoável adotar pena de morte para casos de homicídios ou adotar penas como decepação das mãos de ladrões. Provavelmente a resposta seria afirmativa. O povo que não sabe o que é quebra de sigilo poderia saber o significado de conceitos como “Estado de Direito” e “Democracia Representativa”? A resposta seria: Não!
Onde quero chegar com tudo isso? Os princípios democráticos compreendem algo mais que a vontade da maioria e quem zela por eles não é o povo, e sim as elites intelectuais. Dizer que, na democracia, impera o desejo de uma maioria não é democrático, simplesmente porque nada assegura que esse desejo não concorra mesmo para corromper os valores democráticos.
Todos os regimes totalitários que se estabeleceram no mundo durante o século XX – o Nazismo e o Fascismo são só os exemplos mais cabalmente conhecidos – contaram com o indiscutível apoio da maioria. É falso achar que chegaram ao poder com discursos totalitários. Todos eram bastante democráticos em suas falas.
No livro “Origens do Totalitarismo”, de Hannah Arendt, aprendemos que não devemos deixar os inimigos da democracia chegar ao poder e, uma vez lá, solapar os nossos direitos em nome dos que lhes facultamos. Nesse sentido, pode-se dizer que os defensores do argumento “da maioria” são, sim, inimigos da democracia.
Acredito que a tese seja perigosa e pode mesmo trazer algumas imprecações para quem a defender. Tanto é que os presidenciáveis, de quem deveríamos esperar um conhecimento pleno da democracia brasileira, não ousaram opor-se ao argumento. Durante a recém terminada campanha eleitoral, um dos exemplos mais bem acabados do discurso do poder da maioria pode ser conferido nas falas da presidenciável do Partido Verde (PV), Marina Silva.
Confrontada com temas polêmicos como a união civil entre homossexuais, a legalização da maconha ou do aborto, a candidata deu a mesma resposta: há de se fazer um plebiscito.
É uma escolha ruim. Plebiscitos são recursos legítimos de uma democracia. Porém, quando usados em demasia minam a própria essência de uma democracia representativa. Afinal, para quê eleger representantes se o poder de deliberação de todas as questões são relegadas aos não-eleitos?
E as elites intelectuais, minoria tão importante quanto a maioria como agentes para a manutenção de um sistema democrático, estão sob constante deterioração de sua imagem pública, inclusive na mídia. Para isso, contou o fato de que, durante a ditadura militar, um dos principais redutos de teóricos e simpatizantes da esquerda foi a universidade, sobretudo os cursos ditos “de ciências humanas”, do qual fazem parte os cursos de comunicação social, formando profissionais posteriormente encumbidos da importante tarefa de formar opinião.
Pesa para que as elites intelectuais percam poder de fogo no jogo democrático uma mentalidade mais à esquerda, que tende a associá-las à elite social. Uma coisa não é igual a outra, embora num país desigual como o Brasil elas tendam a ficar bastante próximas.
Na seara dos discursos políticos, uma iniciativa, vejam só, de personalidades do meio jurídico veio a lembrar o que havia sido esquecido durante os 22 anos do Brasil pós-redemocratização: o poder não emana do povo. O pensamento consta na primeira linha do Manifesto em Defesa da Democracia. Lê-se lá: Numa democracia, nenhum dos Poderes é soberano. Soberana é a Constituição, pois é ela quem dá corpo e alma à soberania do povo.
O poder emana das leis. Precisou, uma vez mais, a elite intelectual lembrar ao povo brasileiro que o debate é de outra natureza. Discute-se o Estado de Direito e não um mero jogo de maiorias.
Misantropia antissustentável
Sou misantropo. Tenho acessos de misantropia. Uma misantropia humanitária. Conveniente, que só surge quando estou completamente aborrecido com a companhia ou com o interlocutor. Um psicólogo, talvez, e se estivesse lá em plenas faculdades mentais -são poucos os que as têm em bom estado de uso – diagnosticaria que tenho ou provoco algum processo de fuga. Mas isso é toda uma outra história. Não vou me desviar. Minha misantropia é seletiva e tem especial apreço pelo tipo humano que denominamos “engajado”. Pergunto, leitor, há pessoa mais chata que o sujeito engajado? Pergunta retórica. A resposta é NÃO.
Quem foi que declarou a falência das grandes ideologias?
Bobagem. Elas existem e estão tanto ou mais fortes do que jamais estiveram. Um dos exemplos mais bem acabados e muito – mas muito na moda – é o ecologicamente engajado.
Eu não aguento os ecochatos. Eles calculam tudo em créditos de carbono. Eu mesmo já ando a converter tudo para créditos de carbono. Quando vejo alguém chupando um Chicabom, disparo: qual vai ser sua ação compensatória? O interlocutor, entre o perdido e o indignado deve me achar meio maluco. É que o negócio é imperativo. E eles sã bons. Uma bondade cruel. Ou você sai por aí gritando a preservação, ampliação e recuperação da mata ciliar brasileira ou é logo acusado de ser contra a lei da gravidade. Mas tem que gritar mesmo. Quando jogo, descuidadamente, um papel de chicletes no chão então, é um Deus nos acuda.
Não é difícil reconhecê-los, leitor. No mercado, observe aqueles que não usam sacolinhas plásticas. Levam sempre a sacola retornável a tiracolo. Símbolo máximo de adesão e consciência ecológica – em geral basta levar uma dessas sacolas junto ao corpo para se dormir em paz quanto à natureza. Nas ruas estão andando de bicicleta, te afrontando, como que gritando que você é um gordo-velho-capitalista. Tudo bem que eles estejam passando por você tomando Coca-Cola e usando tênis All Star - eles saem de bicicleta!. Isso liquida o jogo. No escritório, não tomam café, como faz toda a humanidade. Com cara de superioridade, tiram da sacola de palha um copo de suco natural. E não imprimem nada se não for em papel reciclado – ou reciclável, até o vocabulário é próprio e já me confunde.
Ontem me atirei numa conversa com um deles. Eu nunca entendo nada do que dizem. No seu discurso meio engrolado meio intelectual, me dizia: “a sustentabilidaaaaade [eles esticam as sílabas como que para dar força redobrada aos argumentoss] não é só premeeeeente em âmbiiiito nacionaaaal. É, inclusive, necesááááária para cuuuuuuuumprir os objetivos do milênio”. Fiz cara de nada e apelei para os ídolos.
Impossível. Não consegui saber se meu amigo nutria mais admiração por Al Gore, Gabeira, Marina Silva ou o Curupira. Passou a falar sobre energia renovável, mais notadamente da eólica(!), de gases que influenciavam nisso e naquilo, se eu conhecia espécies já extintas de pássaros da Amazônia, se eu usava água no banho na privada – ou seria o contrário? – o que achava dos inseticidas, da mãe-terra, o planeta é único....
Minha misantropia veio me salvar. Lembrei que tinha de passar no mercado comprar pão, presunto e leite. Valha-me Deus. Prefiro a companhia dos empanados e dos inseticidas nas gôndolas a um bate papo com um ecochato. Viva a falta de consciência ecológica.
Texto originalmente publicado no blog da jornalista Claudia Wasilewski.
Minha misantropia veio me salvar. Lembrei que tinha de passar no mercado comprar pão, presunto e leite. Valha-me Deus. Prefiro a companhia dos empanados e dos inseticidas nas gôndolas a um bate papo com um ecochato. Viva a falta de consciência ecológica.
Texto originalmente publicado no blog da jornalista Claudia Wasilewski.
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