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18 de dezembro de 2010

Misantropia antissustentável

Sou misantropo. Tenho acessos de misantropia. Uma misantropia humanitária. Conveniente, que só surge quando estou completamente aborrecido com a companhia ou com o interlocutor. Um psicólogo, talvez, e se estivesse lá em plenas faculdades mentais -são poucos os que as têm em bom estado de uso – diagnosticaria que tenho ou provoco algum processo de fuga. Mas isso é toda uma outra história. Não vou me desviar. Minha misantropia é seletiva e tem especial apreço pelo tipo humano que denominamos “engajado”. Pergunto, leitor, há pessoa mais chata que o sujeito engajado? Pergunta retórica. A resposta é NÃO.

Quem foi que declarou a falência das grandes ideologias?

Bobagem. Elas existem e estão tanto ou mais fortes do que jamais estiveram. Um dos exemplos mais bem acabados e muito – mas muito na moda – é o ecologicamente engajado.

Eu não aguento os ecochatos. Eles calculam tudo em créditos de carbono. Eu mesmo já ando a converter tudo para créditos de carbono. Quando vejo alguém chupando um Chicabom, disparo: qual vai ser sua ação compensatória? O interlocutor, entre o perdido e o indignado deve me achar meio maluco. É que o negócio é imperativo. E eles sã bons. Uma bondade cruel. Ou você sai por aí gritando a preservação, ampliação e recuperação da mata ciliar brasileira ou é logo acusado de ser contra a lei da gravidade. Mas tem que gritar mesmo. Quando  jogo, descuidadamente, um papel de chicletes no chão então, é um Deus nos acuda.

Não é difícil reconhecê-los, leitor. No mercado, observe aqueles que não usam sacolinhas plásticas. Levam sempre a sacola retornável a tiracolo. Símbolo máximo de adesão e consciência ecológica – em geral basta levar uma dessas sacolas junto ao corpo para se dormir em paz quanto à natureza. Nas ruas estão andando de bicicleta, te afrontando, como que gritando que você é um gordo-velho-capitalista. Tudo bem que eles estejam passando por você tomando Coca-Cola e usando tênis All Star  - eles saem de bicicleta!. Isso liquida o jogo. No escritório, não tomam café, como faz toda a humanidade. Com cara de superioridade, tiram da sacola de palha um copo de suco natural. E não imprimem nada se não for em papel reciclado – ou reciclável, até o vocabulário é próprio e já me confunde.

Ontem me atirei numa conversa com um deles. Eu nunca entendo nada do que dizem. No seu discurso meio engrolado meio intelectual, me dizia: “a sustentabilidaaaaade [eles esticam as sílabas como que para dar força redobrada aos argumentoss] não é só premeeeeente em âmbiiiito nacionaaaal. É, inclusive, necesááááária para cuuuuuuuumprir os objetivos do milênio”. Fiz cara de nada e apelei para os ídolos.

Impossível. Não consegui saber se meu amigo nutria mais admiração por Al Gore, Gabeira, Marina Silva ou o Curupira. Passou a falar sobre energia renovável, mais notadamente da eólica(!), de gases que influenciavam nisso e naquilo, se eu conhecia espécies já extintas de pássaros da Amazônia, se eu usava água no banho na privada – ou seria o contrário? – o que achava dos inseticidas, da mãe-terra, o planeta é único.... 


Minha misantropia veio me salvar. Lembrei que tinha de passar no mercado comprar pão, presunto e leite. Valha-me Deus. Prefiro a companhia dos empanados e dos inseticidas nas gôndolas a um bate papo com um ecochato. Viva a falta de consciência ecológica. 


Texto originalmente publicado no blog da jornalista Claudia Wasilewski

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